Em uma sociedade marcada por desigualdades, excesso de informação e pouco tempo para si, o simples gesto de abrir um livro pode ser revolucionário. Ler, em muitos territórios, ainda é um ato de acesso restrito. Por isso, quando duas mulheres decidem tornar a leitura uma ponte para o autocuidado, o afeto e o fortalecimento de uma comunidade, isso não é apenas bonito — é transformador.
É exatamente isso que acontece no Projeto Troca de Livros Bem Me Quero, uma iniciativa independente e contínua criada pelas irmãs Rosângela e Elisângela Medeiros, escritoras e contadoras de histórias da Baixada Fluminense (RJ). Nasceu durante o silêncio forçado da pandemia, mas encontrou eco duradouro nas ruas, nos encontros presenciais e nas trocas afetivas entre mulheres de diferentes histórias e idades.
Um livro não é só um livro
Em cada edição da Troca de Livros, mais do que exemplares trocados, o que circula são memórias, vivências, feridas e curas. Mulheres que chegam em silêncio saem falando sobre o que leram, o que sentiram, o que escreveram. Algumas descobriram ali sua voz. Outras, sua história. Há quem tenha escrito seus próprios livros depois de viver essa experiência.
As ações são simples, mas potentes: mesas com livros, cafés compartilhados, escuta atenta, poesias lidas em voz alta. Nenhuma mulher fica sem levar algo pra casa — e nem estamos falando só de livros. Leva-se a sensação de pertencimento. A ideia de que há espaço para si no mundo. E que a leitura pode, sim, ser uma forma de cuidado.
Cultura, cuidado e reconstrução de identidade
O Troca de Livros vai muito além do incentivo à leitura. É também um espaço onde a autoestima se reconstrói. Em um país onde a maioria das mulheres enfrenta múltiplas jornadas, violências silenciosas e falta de tempo para si, criar um momento de pausa e encontro com a própria voz é um ato de resistência.
A cada roda de leitura, saraus e conversas espontâneas, forma-se uma rede de afeto e fortalecimento coletivo. As mulheres se tornam multiplicadoras. Levam a prática da leitura para dentro de casa, para escolas, para outras comunidades. A transformação não termina no encontro — ela se espalha.
De Nova Iguaçu para o mundo
O projeto é local, mas o impacto é nacional. A filosofia Bem Me Quero — criada por Rosângela — já é adotada por mulheres em outras regiões. Elisângela, com sua trajetória na literatura infantil e inclusão, já foi reconhecida internacionalmente. Juntas, elas seguem abrindo caminhos para que o acesso à leitura seja também acesso a si mesma.
A continuidade da Troca de Livros acontece por meio de encontros presenciais, conteúdos digitais, artigos no blog das Irmãs Medeiros, grupos de leitura e ações autônomas que vêm se espalhando. Hoje, o projeto já inspirou outras cidades e tem potencial para se tornar uma política cultural de base comunitária.
Quando um livro é cuidado
Trocar livros é mais do que renovar a estante — é compartilhar tempo, escuta, esperança. É lembrar que a cultura não se faz só nos grandes centros, mas no chão de terra, na cafeteria da esquina, no colo da mãe que lê para o filho, na mulher que escreve depois de anos em silêncio.
Trocar livros é, no fim, trocar de pele. E sair dali um pouco mais perto de si.
🧡
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